São Paulo 13/9/2021 – A nova lei não é isenta de críticas, mas, de modo geral, pode trazer benefícios efetivos às contratações públicas

Gestores têm prazo de dois anos para adotar as novas regras, que preveem cinco modalidades de licitação, com uma novidade, e extinguem duas

A nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21), sancionada em 1º de abril, introduz uma série de mudanças nas relações contratuais públicas, a começar pelas modalidades de licitação, que serão cinco: concorrência, concurso, leilão, pregão e diálogo competitivo, esta última uma novidade. Também extingue as modalidades tomada de preço e convite. No período de dois anos a partir da promulgação da lei, os órgãos públicos têm a opção de usar a legislação antiga ou a nova. Após esse prazo, a nova legislação passa a ser obrigatória para estados, municípios, Distrito Federal e União.

Para falar a respeito da nova Lei de Licitação, a reportagem ouviu o advogado Rafael Marinangelo, especialista no tema, do escritório RGSA Advogados, de Sorocaba, e autor do livro “Recomendações FIDIC para Orientação de Contratos de Projetos e Obras”. Para Marinangelo, as regras da nova lei favorecem o uso de um dos modelos contratuais mais difundidos no mercado da construção internacional: os modelos FIDIC, instituídos pela Fédération Internationale des Ingénieurs-Counsel, entidade sem fins lucrativos fundada em 1913 na França e sediada na Suíça. 

Em relação à governança, o que se destaca na nova lei de licitações?

A nova lei de licitações introduziu diversas regras relativas à governança, procurando instaurar melhor controle, gestão, segurança e previsibilidade, desde o processo licitatório à conclusão das contratações públicas. Constituem exemplos da iniciativa legislativa mencionada as regras sobre responsabilidade da alta administração pela governança das contratações. Merece destaque, ainda, a previsão do uso de modelos de minutas de editais, de termos de referência e de contratos e outros documentos padronizados, assim como a obrigatoriedade de alocação clara e adequada de riscos contratuais entre contratante e contratado.

Quais os impactos práticos e efetivos pretendidos com essas inovações?

Se a administração pública fosse afeita a planejamentos mais efetivos e de longo prazo, não apenas a infraestrutura seria mais adequada e eficiente, como as obras seriam mais econômicas e com mais chance de trazer benefícios à sociedade. O Tribunal de Contas da União constatou a existência de mais de 14 mil obras paradas no ano de 2018 em todo o país, gerando despesas da ordem de R$ 70 bilhões, e cuja conclusão ensejaria o gasto de mais R$ 40 bilhões. Sem considerar a corrupção que eventualmente possa contribuir para esse quadro desolador, sabe-se que tais obras, muitas vezes, estão paradas por falta de planejamento efetivo, seja sobre a pertinência da obra, a solução técnica escolhida para realizá-la, projetos incompletos ou inadequados, equacionamento errado do orçamento, dentre tantos outros reveses. Isso gera atrasos na obra, custos mais elevados que os previstos e litígios infindáveis, capazes de impedir ou retardar o seu encerramento.

Como os modelos FIDIC são aplicados na implementação de boas práticas de governança?

Os modelos contratuais FIDIC são os mais difundidos no mercado da construção internacional. A reconstrução da Europa foi em grande parte possível graças ao uso dos modelos FIDIC e, atualmente, após constantes aprimoramentos e atualizações, são utilizados por mais de 50% do mercado construtivo em todo o mundo. O Banco Mundial adota-os como requisito à concessão de empréstimos e financiamentos de projetos de construção. Foi com amparo no uso de tais modelos que a Europa Oriental, após a queda do regime socialista, conseguiu captar empréstimos dos mais variados agentes de fomento europeus. Dubai e China também utilizam os contratos FIDIC em seus projetos construtivos em virtude do alto grau de eficiência e economia. Por serem planejados para várias modalidades de obras e conformados de acordo com a experiência acumulada de anos de aplicação e constante revisão por especialistas, os contratos FIDIC proporcionam melhor planejamento das obras e evitam a incidência de erros ou problemas já conhecidos.

Dê um exemplo prático no qual o uso do modelo FIDIC aportou eficiência e controle para a execução das obras.

O sucesso mundial dos contratos FIDIC se deve às inúmeras vantagens que propiciam, como a segurança oferecida por condições contratuais e comerciais experimentadas e de comprovada eficácia, a padronização e a oferta de um conjunto completo de documentos necessários à realização bem sucedida do processo licitatório e da execução contratual, o controle rigoroso de evolução da obra e de pagamentos, a exigência de comportamento leal entre os contratantes e a necessidade de intensa troca de informações e correspondências, conferindo alto grau de transparência, dentre tantas outras práticas dificilmente encontradas em contratos dessa natureza. Formados pela união de regras interdependentes visando coordenar e organizar a relação dos participantes de projetos de engenharia, os padrões contratuais FIDIC promovem distribuição justa e balanceada de riscos, direitos e obrigações entre contratante e contratado.

E quanto à resolução de litígios, quais são avanços com a nova lei?

Ela traz uma importante ferramenta para solução de litígios, também prevista nos contratos FIDIC – o Dispute Board ou Conselho de Resolução de Conflitos. Formado por um comitê de especialistas, o conselho acompanha o desenvolvimento do contrato, desde o seu início, fornecendo soluções técnicas em caso de dissenso entre as partes para evitar que possíveis disputas cheguem aos tribunais. Em média, na experiência internacional, um conflito é resolvido pelo conselho em até 145 dias, bem mais rápido que pela via judicial ou arbitral.

O senhor acredita que a nova lei de licitações trará benefícios efetivos para as contratações públicas?

A nova lei não é isenta de críticas, mas, de modo geral, pode trazer benefícios efetivos às contratações públicas. O importante é que a administração pública, o Poder Judiciário e os Tribunais de Contas, quando chamados a se pronunciar, entendam que o espírito da nova lei não é o mesmo da Lei 8.666/93, isto é, que ela merece interpretação mais moderna e afinada à realidade atual e aos propósitos da inovação legislativa, que certamente não são os mesmos da lei anterior. Quais serão, na prática, os benefícios promovidos pela lei somente o tempo dirá.

 

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