São Paulo-SP 8/4/2013 – Relembrando um passado não muito distante, quando a criança colocava muito leite para fora, normalmente após a mamada, dizíamos (sim, inclusive nós os médicos pediatras) que essa criança gorfava, enguiava
O que deveria ser um grande benefício para nossa vida e nossa saúde está se transformando, em mais casos do que o desejado, em perigosa armadilha. A evolução da tecnologia que poderia ser uma grande aliada, por exemplo, para essa nova geração dos 100 anos que a Pediatria Moderna está programando, traz consigo um excesso de diagnóstico com consequente exagero na medicação.
“Entre esses diagnósticos, na área da Pediatria, podemos destacar o TDAH (Transtorno por Distúrbio de Atenção e Hiperatividade), a APLV (Alergia à Proteína do Leite de Vaca), a intolerância à lactose e a DRGE (Doença do Refluxo Gastro-Esofágico)”, afirma o pediatra Moises Chencinski (CRM-SP 36.349)
Como exemplo, vamos nos ater a esse último caso (DRGE) que sofreu uma transformação importante e interessante, mas vale para todos os outros citados e mais alguns. Quem ainda não ouviu a célebre frase dita de boca cheia, com todo orgulho, pelos nossos avós: “Criança que regurgita engorda”?
“Relembrando um passado não muito distante, quando a criança colocava muito leite para fora, normalmente após a mamada, dizíamos (sim, inclusive nós os médicos pediatras) que essa criança gorfava, enguiava. E isso era considerado normal. E a criança que apresentava esse quadro de forma exacerbada tinha seu diagnóstico mudado para RGE (Refluxo Gastro-Esofágico), que era considerada doença”, explica o médico.
Mas era “muito feio” um médico usar esses termos pouco técnicos. Assim, quando uma criança, hoje em dia, após a mamada, coloca o leite para fora, ela não enguia e não gorfa: ela tem RGE (Refluxo Gastro-Esofágico), ou seja, volta leite do estômago para o esôfago. E isso não é mais considerado “normal” e sim “fisiológico” em cerca de 60% de crianças até os 6 meses de vida.
“Quando a criança apresenta uma doença que tem como sintomas o refluxo gastro-esofágico, chora muito, arqueia seu corpo para trás, não ganha peso, tem anemia, tem sintomas respiratórios entre outros sintomas, dizemos que ela tem a DRGE (Doença do Refluxo Gastro-Esofágico)”, esclarece Moises Chencinski.
Assim, para os leigos, que antes sabiam que RGE era doença, fica difícil mudar essa ideia e entender que esse nome agora não representa uma doença e sim um quadro fisiológico e normal.
“Infelizmente, mesmo com todos os avanços tecnológicos, nem o diagnóstico de DRGE é tão preciso e adequado e nem seu tratamento, com os medicamentos disponíveis no momento, é considerado eficaz. A Academia Americana de Pediatria (AAP), por exemplo, não orienta a medicação em crianças abaixo de 2 anos de idade, até pela dificuldade diagnóstica”, diz o médico.
Porém, quando se estigmatiza uma criança, quando se rotula uma criança com qualquer tipo de diagnóstico, seus pais e cuidadores perdem, por muitas vezes, sua racionalidade e buscam qualquer tipo de promessa de tratamento, mesmo que não tenha comprovação científica ou seja considerado ineficaz.
Um exemplo disso é um trabalho publicado no Pediatrics (o Jornal Oficial da Academia Americana de Pediatria) em 27/03/2013, da Universidade de Missouri, Columbia, EUA. Nesse estudo, foram distribuídos folhetos para 175 pais, entre maio de 2.011 e fevereiro de 2.012, com um cenário hipotético: seu bebê de 1 mês de idade estava chorando muito e vomitando, mas, por outro lado, está saudável. Esses pais foram divididos em 2 grupos:
• Um deles foi diagnosticado como DREG;
• O outro não foi notificado com um rótulo.
Além disso, metade dos pais recebeu a informação que os medicamentos existentes para tratamento seriam provavelmente ineficazes (como provam, de fato, a maioria dos estudos) e a outra metade não recebeu informações sobre a eficiência desse tratamento.
Os resultados mostraram que os pais que recebiam o diagnóstico de seus filhos com DRGE estavam interessados e mais propensos a medicarem seus bebês, mesmo recebendo a informação da possível e até provável ineficácia do tratamento. Mas os pais que não sabiam o nome da doença de seus filhos só se interessavam pelo tratamento medicamentoso se não sabiam sobre a sua ineficácia. Esses achados sugerem que o uso de rótulos ou nomes de doenças pode provocar um tratamento exagerado.
“Assim, o pediatra assume um papel fundamental, como esperado, no diagnóstico preciso, através de uma boa anamnese (consulta) com solicitação de exames complementares e avaliações de especialistas, quando necessário, e na instituição do tratamento eficaz e ético para seus pacientes. E devemos nos lembrar de um dos principais preceitos éticos desde a época de Hipócrates: ‘Primo nono nocere’ que significa, antes de tudo, não prejudicar. O excesso de diagnósticos inadequados associado à automedicação formam a base de muitos problemas de saúde para nossa futura ‘geração de 100 anos’”, defende o pediatra Moises Chencinski (CRM-SP 36.349).