Brasília, DF 8/7/2021 – […] nós mulheres somos afetadas por essa síndrome que é uma visão negativa sobre a auto eficácia.

Pressão por ascensão profissional, alta carga de trabalho e preocupação com opiniões alheias alteram sobremaneira o dia a dia das mulheres

Talvez ainda não tão conhecida pelo nome, a Síndrome do(a) Impostor(a) é caracterizada pelo sentimento de ser uma fraude, de não ser merecedor(a), que mesmo sendo bom em algo ou bem-sucedido(a) na carreira, em algum momento todos vão descobrir “a farsa que você é”.

Quem explica melhor é a psicóloga Ananda Martins: “É a sensação de não ser competente para ocupar o lugar que você tem, para falar, para atuar e trabalhar, de nunca ser boa o suficiente, de duvidar daquilo que está fazendo, de se questionar o tempo inteiro. É a sensação de que em algum momento as pessoas ao redor vão descobrir que tudo que você está fazendo é uma farsa, que você é uma farsa. A Síndrome da Impostora é caracterizada mais ou menos assim.”

A síndrome é conhecida da especialista em Moda, professora universitária e autora do livro “Admirável Moda Sustentável – Vestindo um Mundo Novo”, Madeleine Muller. Em 2015, quando ingressou para o mestrado em Portugal, sentiu medos e se questionou: “O que estou fazendo aqui? Será que eu devo estar aqui? Será que eu sou merecedora deste lugar, de estar nessa classe com esses professores e colegas que talvez saibam muito mais do que eu. Eu só pensava que não estava à altura deles, não sabia tanto quanto eles, que estava defasada, desatualizada, que era a mais velha ali”, relata a mestra em Comunicação.

Segundo a psicóloga, embora ninguém esteja “livre”, a Síndrome do Impostor atinge majoritariamente as mulheres, por isso é mais conhecida no feminino: “da Impostora”. E isso tem uma explicação. “É o reflexo de um sistema social: o patriarcado. Se voltarmos pouco mais de 40/50 anos, veremos essa configuração de sociedade em que para a maioria das mulheres são colocadas as funções de casa, do espaço privado, para que os homens ocupem o espaço público. Porque eles são “capazes”. A gente ainda sofre as consequências disso, pois até hoje essa ideia é perpassada”, explica a especialista.

E isso foi uma das causas para a entrada da síndrome na vida de Madeleine. Antes de seguir a tão sonhada carreira no ramo da moda, formou-se em outra área por influência – ou pressão – do pai: “Ele era extremamente rigoroso e eu fui praticamente obrigada a cursar Direito, pois era uma família de advogados e o meu pai não conseguiu concluir o curso, então, a filha mais velha, a primogênita, é claro que tinha que seguir o Direito. Então, lá fui eu fazer a faculdade que o meu pai quis. Quando eu aventei com a possibilidade de seguir na moda, que comecei a trabalhar nisso, ele simplesmente cortou relações comigo”.

Essa negação e desmotivação por parte do pai ficou um tempo na cabeça de Madeleine, mas depois foi perdendo forças. “Nunca é tarde para aprendermos algo e, mesmo errando, mesmo tropeçando, eu segui. Hoje tenho certeza que eu própria me limitei, achei que eu não poderia. Acreditei naquela impostora que estava ali dentro de mim me fazendo sentir que eu era, podia e sabia menos. Aquela voz precisava sair dali, ela não me pertencia. Precisei dar voz a uma outra mulher, pois eu não era um fracasso ou uma fraude.”

Ananda Martins complementa a explicação: “Em uma contextualização, nós mulheres somos afetadas por essa síndrome que é uma visão negativa sobre a auto eficácia. A gente precisa o tempo todo se provar como namorada, profissional, filha, amiga. Então, é um peso que temos que carregar de “sermos perfeitas o tempo todo’”.

Ao contrário do pai, Madeleine incentiva a filha a seguir os sonhos e a acreditar no seu potencial. Com 16 anos sua filha já começou a viajar pelo mundo para conhecê-lo: “E eu acho que essa impostora está ali porque não somos incentivadas desde pequenas a acreditar em nós mesmas. Acho que isso já começa desde a nossa educação em casa, principalmente com as filhas mulheres. Elas não são incentivadas a vencerem sozinhas, a terem essa independência de profissão, de pensamento, de tudo. Acho que já viemos com resquícios do que os nossos pais viveram e aprenderam com os pais deles”, relata.

A impostora cativa também opressão em direção às mulheres mais jovens. Elas já sentem o impacto de uma geração hiperconectada, sujeitas a níveis ainda mais altos de cobranças, comparações, além da grande exposição provocada pelas mídias sociais.

Foi o que a jovem estudante de Direito, Anne Rodrigues de Souza, 25 anos, sentiu quando começou a fazer postagens sobre a sua área de conhecimento na própria rede social, para ajudar os seguidores: “O meu maior medo era fazer os posts e as pessoas “perceberem” que eu não sei nada, que sou burra. Eu ficava relendo e pesquisando a mesma coisa mil vezes só para confirmar algo que eu já sabia e qualquer erro por mínimo que fosse, tipo uma vírgula, eu pensava que iam me achar burra. E não importa o quanto você estude ou quantos elogios receba, a sensação de fraude continua.”

“Se eu disser que não tenho mais essa sensação, vou estar mentido. Mas me desafiei a fazer assim mesmo. Coloquei o medo, a sensação de fraude e tudo mais dentro da bolsa e comecei a caminhar com eles. No começo era bem pesado carregá-la, ela me puxava para trás várias vezes, mas eu não desisti e com o tempo essa bolsa está ficando cada vez mais leve”, relata Anne. E ela dá uma dica para quem se identifica com esses pensamentos: “Coloque o medo na bolsa e vai assim mesmo. Não é fácil, mas vale a pena! E claro, procure um(a) psicólogo(a), pois com um bom profissional a sua caminhada vai ficar um pouco mais fácil”.

Para quem já conhece bem a voz da impostora ou quer entender um pouco mais sobre o assunto, a Geap indica o podcast “Chá com a Impostora”, criado e apresentado pela consultora de comunicação, Anna Terra, e disponível na plataforma Spotify. Anna recebe convidados(as) para falar sobre a “voz da impostora” em âmbitos variados da sociedade e o bate-papo amplia a visão dos ouvintes acerca desse tema.

Além disso, foi conversado sobre a Síndrome da Impostora com a psicóloga Ananda Martins em um episódio do podcast da Geap – o Fala Saúde. É possível escutá-lo nas principais plataformas de podcast e compartilhar com quem precisa e se interessa pelo assunto. Busque ajuda profissional para calar a sua impostora.

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