São Paulo, SP. 11/11/2020 –

Decisões judiciais vêm reduzindo a base de cálculo das contribuições previdenciárias das “terceiras entidades” a 20 salários mínimos, por reconhecerem que o parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/81 não foi revogado pelo Decreto-lei nº 2.318/86.

Em época de crise financeira como a que se vive agora, a desoneração da folha assume grande relevância para os contribuintes que se esforçam para retomar a economia do país.

Por isso, a redução das contribuições destinadas a terceiros, que incide sobre a folha de salário, têm o potencial de fazer uma grande diferença no caixa das empresas.

As contribuições destinadas às “terceiras entidades” são contribuições sociais ou contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) previstas no artigo 149 da Constituição Federal e, portanto, após o advento da Emenda Constitucional n. 33/2001 que acrescentou o parágrafo 2º para prever como base de cálculo o “faturamento”, a “receita bruta” ou o “valor da operação,” passou a ser discutida a inconstitucionalidade superveniente das mesmas no Judiciário.

Essas contribuições destinadas aos “terceiros” (outras entidades e fundos do sistema “S”)[1], são exigidas sobre o total da remuneração paga ou creditada aos segurados empregados (“folha de salários”) e trabalhadores avulsos[2], variando de acordo com a Tabela de Alíquotas por Código FPAS e podem chegar a uma alíquota total de 7,7% , conforme Anexo II da IN RFB nº 971/09.

A base de cálculo de tais contribuições é a folha de salários que deixou de ser prevista constitucionalmente após a EC nº 33/2001, razão pela qual a legislação infraconstitucional não mais encontraria amparo constitucional.

A matéria alcançou o Órgão Plenário do Supremo Tribunal Federal que concluiu o julgamento do RE 603.624 (Tema 325[3]) no dia 23 de setembro de 2020, com repercussão geral, para reconhecer, por maioria (6 votos a 4), que o artigo 149, §2º da Constituição Federal elegeu bases de cálculo exemplificativas e, por isso, não estaria excluída a folha de salários como base de cálculo possível das referidas contribuições previdenciárias a terceiros.

Adotando uma postura que favoreceu o Fisco, o Supremo Tribunal Federal decidiu por manter as contribuições, declarando, assim, sua constitucionalidade, apesar da inequívoca  taxatividade das bases de cálculo previstas constitucionalmente.

No julgamento, foram vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e a Relatora Rosa Weber, que havia proferido voto favorável aos contribuintes, reconhecendo, inclusive, o direito à restituição dos valores pagos a indevidamente a maior nos últimos 5 (cinco) anos.

Assim, foi fixado o Tema nº 325: “As contribuições devidas ao SEBRAE, à APEX e à ABDI com fundamento na Lei 8.029/1990 foram recepcionadas pela EC 33/2001” .

Pende ainda de julgamento o Tema 495, cujo RE 630.898/RS discute a inconstitucionalidade da contribuição para o INCRA em face da Emenda Constitucional nº. 33/2001, da Relatoria do Ministro Dias Toffoli, cujo julgamento teve início com voto desfavorável aos contribuintes, sendo certo que o mesmo desfecho será aplicado para todas as demais “terceiras entidades”, que discutem esta tese.

Ressalta-se que tanto no RE n. 630.898/RS quanto no RE 603.624/SC, com repercussão geral reconhecida, a respeito da constitucionalidade da contribuição ao INCRA e das contribuições ao SEBRAE, APEX e ABDI, após o advento da EC nº 33/2001, a Procuradoria Geral da República havia apresentado parecer favorável aos contribuintes, reconhecendo a taxatividade do rol de bases de cálculo do artigo 149, § 2º, III, “a” da CF/88, e a inconstitucionalidade superveniente das referidas contribuições, em dissonância com a conclusão do julgamento pelo STF.

Vale destacar que mesmo com o deslinde desfavorável aos contribuintes, mantendo a exigência das contribuições sobre a folha de salários, o cálculo e recolhimento delas deve respeitar a limitação da base de cálculo a 20 salários mínimos, em virtude do parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/81[4], cuja redação não foi revogada pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 2.318/86[5].

Isso porque o Decreto-lei nº 2.318/86 revogou apenas o caput do art. 4º da Lei nº 6.950/81, mas não o seu parágrafo único, revogando, portanto, a limitação de 20 salários mínimos como base de cálculo apenas à cota patronal previdenciária, mantendo-a para as contribuições devidas às terceiras entidades.

Ressalte-se que, nos últimos dias, a Justiça Federal de São Paulo deferiu diversas tutelas antecipadas[6] autorizando os contribuintes a recolherem as contribuições devidas aos terceiros do sistema “S”, sobre o valor máximo correspondente a 20 (vinte) salários mínimos e não sobre a integralidade da folha de salários, nos termos do artigo 4º da Lei 6.950/81, suspendendo a exigibilidade das  contribuições destinadas ao Salário Educação, INCRA, SEBRAE, SENAC e SESC, na parte em que exceder tal limitação, em linha com que já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:

(…) “Com efeito, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 953.742/SC, em caso análogo, firmou o entendimento no sentido de que o art. 3º do Decreto-Lei 2.318/1986 não alterou o limite de 20 salários-mínimos do art. 4º, parágrafo único, da Lei 6.950/1981 (base de cálculo das contribuições parafiscais arrecadas por conta de terceiros).” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.241.362 – SC (2011/0044039-2), Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 08/11/2017)

“(…) 6. A pretensão recursal encontra apoio na jurisprudência consolidada desta Corte Superior, segundo a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica , nos termos do parágrafo único, restrito ao limite máximo de 20 salários-mínimos do art. 4o. da Lei 6.950/1981, o qual não foi revogado pelo art. 3o. do DL 2.318/1986, que se disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social. A propósito, cita-se o seguinte julgado: (…) 3. No período do lançamento que se discute nos autos, tem aplicação o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/81, que limita o recolhimento do salário-de-contribuição de vinte vezes o valor do salário-mínimo para o cálculo da contribuição de terceiros. (…) 4. Apelo especial do INSS não provido. 5. Recurso especial da empresa parcialmente conhecido e não-provido. (REsp. 953.742/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe 10.3.2008). 7. No mesmo sentido, seguindo a mesma orientação são as seguintes decisões monocráticas: REsp. 1241362/SC, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 8.11.2017; REsp. 1.439.511/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 25.6.2014. 8. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial da Contribuinte, a fim de reconhecer que a base de cálculo da contribuição de terceiros fique limitada a 20 salários mínimos, na forma prevista no art. 4o. da Lei 6.950/1981. Invertem-se os ônus sucumbenciais, ficando os honorários advocatícios fixados em 5% sobre o valor da condenação. 9. Publique-se. Intimações necessárias. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.570.980 – SP (2015/0294357-2), Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 05/08/2019)

A propósito, considerando que a matéria é infraconstitucional, não será julgada pelo Supremo Tribunal Federal, mas sim pelo Superior Tribunal de Justiça, que dirá, em última instância, sobre a ilegalidade da exigência das contribuições devidas aos terceiros que superar a base de cálculo que corresponda a 20 salários mínimos.

Os recentes precedentes do STJ corroboram as boas chances de êxito das ações judiciais que discutem esse tema, motivando os contribuintes a se socorrerem ao judiciário para obter a tutela jurisdicional para limitar a incidência das contribuições destinadas a terceiros a 20 salários mínimos, desonerando a folha de salário, e podendo obter, após o trânsito em julgado, a restituição da diferença paga nos 5 anos anteriores a propositura da ação.

 

[1] INCRA, SEBRAE, SENAC, SESC, SESI, SALÁRIO EDUCAÇÃO, SENAI, DPC, SENAR, SESCOOP.

[2] Lei nº 9.424/96, art. 15; Lei nº. 2.613/55, art. 6º; Decreto-lei nº 1146/70, art. 1º; Decreto-lei nº 4.048/42; Decreto-lei nº 8.621/46; Decreto-lei nº 9.403/46; Decreto-lei nº 9.853/46; Lei nº 5.461/68; Decreto-lei nº 1.305/74; Decreto-lei nº 2.318/86; Lei nº 8.029/90, Lei nº 8.315/91; Lei nº 8.706/93; Lei nº 8.870/94; MP nº 1.715-2/98; e Lei nº 9.876/99 e IN nº 970, art. 109/09.

[3] Subsistência da contribuição destinada ao SEBRAE, após o advento da Emenda Constitucional nº 33/2001.

[4] “Art 4º – O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Parágrafo único – O limite a que se refere o presente artigo aplicasse às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.” 

[5] “Art. 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.”

[6] CNJ nº. 5015049-09.2020.4.03.6100, 5015048-24.2020.4.03.6100, 5003025-11.2020.4.03.6144, 5016311-91.2020.4.03.6100, 5015040-47.2020.4.03.6100  e 5015039-62.2020.4.03.6100.

Autoras: 

Daniele Lambert da Cunha, sócia do Escritório Eduardo Jardim Advogados Associados, advogada tributarista. 

Luciana Nini Manente, mestre e doutora pela PUCSP, sócia do Escritório Eduardo Jardim Advogados Associados, advogada tributarista.

 

 

Website: https://www.eduardojardim.com.br/

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